Cobertura de Show β πππππππ ππ πππππππ β ππ ππππ πππ ππππ ππππππ
Por Bruno Carvalho
Fotos por AndrΓ© Fofano (@fofano)
Smells like meia idade
23 de janeiro de 1993. Um jovem de 12 anos assiste, atΓ΄nito, pela TV, ao segundo show do Nirvana no Brasil, na edição carioca do festival Hollywood Rock. Foi intenso, barulhento, selvagem, caΓ³tico, totalmente diferente dos sucessos certinhos que dominavam o dial do rΓ‘dio na Γ©poca. Ver o grupo de Seattle ao vivo, mesmo Γ distΓ’ncia, foi uma experiΓͺncia transformadora. Daquele dia em diante, a mΓΊsica β o rock, sendo bem mais especΓfico β seria o interesse principal daquele prΓ©-adolescente.
O jovem em questΓ£o era eu. E no 4 de novembro de 2024, o Bruno de 12 anos marcou um encontro com o Bruno de 44, na Concha AcΓΊstica, para assistir ao show do Seattle Supersonic, uma banda argentina autointitulada βo maior tributo ao Nirvana do mundoβ, em uma tour brasileira com a Orquestra SinfΓ΄nica Villa Lobos pelos 30 anos sem Kurt Cobain.
Antes de se aprofundar sobre o show, Γ© necessΓ‘rio exaltar o trabalho fabuloso da Midia Massa Produçáes, e de sua idealizadora, Γrica Saraiva. Alguns dos melhores e mais interessantes shows que passaram por Salvador nos ΓΊltimos dois anos (Ratos de PorΓ£o, Dead Fish, Vanguart, Rancore, Terno Rei e tantos outros) tiveram a digital da produtora de evento. Um trabalho Γ‘rduo e arriscado, digno de toda reverΓͺncia.
JΓ‘ chegando na Concha, encontro um amigo, roqueiro de meia idade, e ex-guitarrista de uma banda de rock dos anos 00, daquelas que tocaram muito no Idearium. Definitivamente, ele nΓ£o cheirava a espΓrito adolescente. βSalvador tava precisando de rock, manβ, disse, indignado. βNΓ£o tem banda aqui, nΓ£o tem show rolandoβ, me disse. Fiquei pensativo com essa frase, especialmente porque, a poucos quilΓ΄metros dali, acontecia o Radioca, famoso festival de mΓΊsica, voltado para o novo. E lΓ‘ estava ele, roqueiro de meia idade, com sua velha camisa poΓda do Nirvana, exaltando os velhos tempos, e reclamando de barriga cheia.
Mas, no fundo, eu entendo ele (ou tento): minha esposa vez por vez me diz que quer ouvir βconfort musicβ, aquela mΓΊsica que vocΓͺ sabe cantar juntinho de tanto ouvir na rΓ‘dio ou naquele CD comprado lΓ‘ nos longΓnquos anos 90. Talvez pra ele, se aventurar no show da Sophia Chablau fosse mesmo uma enorme perda de tempo, com o perdΓ£o do trocadilho. βBom mesmo era o Nirvana!β. Quem sou eu pra julgar, afinal tambΓ©m estava com ele na Concha.
Quem Γ© fΓ£ hardcore do Nirvana como eu, certamente se divertiu. A banda, vestida em trajes βesporte finoβ, exatamente como na apresentação no programa de televisΓ£o francΓͺs β”Nulle Part Ailleurs”, desfilou versΓ΅es competentes de sucessos βIn Bloomβ, βSmells like Teen Spiritβ, βHeart Shaped Boxβ, misturada com outros menos Γ³bvios como βBeen a Sonβ e os covers de βJesus DoesnΒ΄t want me for a sumbeanβ e βThe man who sold the worldβ, do The Vaselines e David Bowie, respectivamente.
JΓ‘ a Orquestra Villa Lobos acrescenta uma cor bonita ao espetΓ‘culo, em especial nas cançáes menos barulhentas. Uma pena a ausΓͺncia do seu fundador e diretor musical, maestro Adriano Machado, em turnΓͺ pela AmΓ©rica Latina com o musical βHarry Potterβ, mas brilhantemente substituΓdo por Anselmo Pereira da Silva. Os arranjos sinfΓ΄nicos em mΓΊsicas como βAll Apologiesβ, βDumbβ e βSomething in the wayβ trouxeram um brilho extra para cançáes que jΓ‘ eram naturalmente bonitas. Bola dentro. Outras como βServe the Servantsβ, βAbout a girlβ, βYou know youΒ΄re rightβ soaram poderosas ao vivo, mas sem tanto impacto da orquestração.
O Seattle Supersonics Γ© inegavelmente competente, mas tambΓ©m excessivamente bem-comportado, diga-se. Aquela intensidade e imprevisibilidade que me fizeram amar a banda de Seattle nΓ£o estavam lΓ‘, mas no fim das contas nΓ£o fez tanta falta. O βNirvana portenhoβ, Γ© conduzido por Ezequiel Dias na voz e na guitarra, emulando muito bem Kurt Cobain (ou βKuerte CubeΓ±oβ, como genialmente disse FΓ‘bio Cascadura, numa mensagem para mim no Instagram). TambΓ©m chama atenção Christian Monteiro no baixo, tocando cada linha de baixo do Krist Novoselic, e imitando todos os trejeitos, incluindo o contrabaixo abaixo da linha da cintura. Senti falta de um Dave Grohl mais vigoroso, como o original, porque o baterista Estevan Molina, alΓ©m de bater fofo demais, ainda atrasava um pouco o tempo das mΓΊsicas. Mas se fosse perfeito nΓ£o era o Nirvana, nΓ©?
Ao final, a Orquestra sai, e comeΓ§a um segundo momento do show, onde apenas a banda toca. O figurino tambΓ©m muda, com Ezequiel usando trajes iguais ao de Cobain no show do Roseland Ballroom, em julho de 93, Christian tocando com as vestes do Krist Novoselic no histΓ³rico show do Nirvana no Halloween de 1992 do Paramout Theater, em Seattle, e Estevan como o Dave Grohl no Live and Loud de 1993. Ai o show ficou mais pesado, tocando menos Γ³bvias como βLove Buzzβ, βBlewβ, βAneurysimβ e βStay Awayβ.Β A lamentar, apenas as ausΓͺncias de βCome as you areβ, βTerritorial Pissingβ e um ou outra favorita que ficou de fora. Mas, por uma hora e meia, 2024 voltou a ser 1992, e o Nirvana estava ali, detonando na Concha. Mesmo sendo um Nirvana de peruca, e falando em portunhol.