Coluna – Ricardo Cury – This Charming Man
foto: Sora Maia
– Man, Cézar morreu – disse Messias, ao telefone.
Era sábado, 21:30, eu estava assistindo o documentário de Michael Jordan e após desligar o telefone fiquei pensando no que fazer com aquela informação. Conheci Cézar em 1995, no palco do Hotel Pelourinho, quando eu tinha 16/17 anos e vi pela primeira vez um show da ”brincando de deus’’. Seis anos depois eu entrei na banda que muitos, de forma pejorativa e presos à melancolia das melodias, chamavam de ‘’rock triste’’, sem saber que era a banda mais divertida do rock.
Após o choque inicial entrei nas redes sociais de Cézar e, na sequência, nas mensagens que trocamos. Ri das últimas com ele falando que conheceu uma mulher trans que era baixista, que ela iria entrar na “brincando de deus” e que o disco se chamaria Enigma. Só aí lembrei que o termo ‘’enigma’’ era uma piada interna que ele havia passado a usar conversando comigo, pois eu havia dito ela em alguma entrevista que ele leu sobre o Tchau. E passei a lembrar de inúmeros momentos.
A alegria dele quando chegamos pra tocar na Matriz, casa de show de São Paulo (2003), e tinha uma fila dando voltas na porta.
A alegria dele ao descobrir que n´A Obra (BH-2003), onde faríamos o show daquela noite, vendia Guiness e ele teria algumas por conta da casa.
As ironias hilárias sobre o fracasso iminente no show em Cruz das Almas (2002) quando íamos dividir a noite com uma banda de metal em um presídio abandonado e a súbita confiança e felicidade no palco quando os metaleiros da plateia aprovaram nossa música. Martin Martan, que era do metal, foi nosso técnico de som.
O show em Recife (2004) que eu fiquei emaconhado/bêbado/emaconhado e abaixei a cabeça na mesa pra dar um cochilo depois do show, num ambiente lotado, quando ouço ele gritar ‘’eu quero é cu’’. Acordei, pensei ‘’não, ele não falou isso’’. Enquanto levantava a cabeça ainda pensei ‘’devo ter dormido demais e todo mundo foi embora, não tem mais ninguém aqui’’, mas o local continuava lotado. Só que agora em silencio, olhando pra nossa mesa.
No hotel em Aracaju, festival Punka (2002), quando fumei maconha pela primeira vez e fomos pro evento tocar. Lá, fumei pela segunda e enquanto fumávamos ao ar livre, lugar enorme, dois policiais à paisana, caricatos, quase Hermes e Renato, gritaram ‘’mão na cabeça, bora pra parede, vagabundos’’. A parede mais próxima estava a uns 180 metros e fomos andando com eles berrando nos nossos ouvidos. Os caras eram tão despreparados que o revolver de um deles caiu no chão e saiu rolando pelo gramado. No caminho ainda deu pra trocar olhares com Messias, que estava na lanchonete com um hambúrguer na mão. Pelo olhar eu tentei dizer ‘’faça alguma coisa’’ e ele apenas colocou mais ketchup no seu sanduíche.
Quando o visitei em seu apartamento em São Paulo (2006), e ele disse puxando um baseado do bolso:
– O nome dessa maconha é Desmarca Compromisso?
– Por que? – perguntei, antes de fumar e de desmarcar todos os compromissos que eu tinha praquela tarde.
Em um avião, anos 90, quando o piloto anunciou que íamos pousar no Aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães e gritamos todos ´´é Dois de Julho’’. Na saída, a aeromoça ao lado do comandante disse:
– A gente concorda, viu? Nada a ver essa mudança.
Em outro avião, quando gargalhamos fazendo a escalação de nomes que criávamos. Camerino Takaglyder, Charlino Buçanho, Dino Rabalyzer (o preferido dele), Kevin Shibiulev…
Em mais outro avião, quando voamos com Beto Jamaica (já em carreira solo) e sua banda. Voo da finada companhia BRA. Salvador – Paulo Afonso – São Paulo. Ele foi o primeiro a pedir uma cerveja e pousamos em São Paulo depois de seis horas com os roqueiros e pagodeiros do fundão bêbados, rindo e aplaudindo o piloto.
E aquele cover dos Smiths, aquelas paródias que criávamos, aquele ensaio, aquela entrevista, aquelas noites no Pós Tudo, aqueles dias…
Depois do memorial de lembranças, caiu a ficha que não vou ver mais a pessoa, não irei mais relembrar com ele e, muito menos, rir juntos das situações vividas.